Um mundo coberto de alvos
Conferência no laboratório Filosofias do tempo do agora, UFRJ
2020
Synopsis
Um ano antes de Hiroshima e Nagasaki, mas já “depois do fim dos tempos”, Theodor Adorno vislumbrou nas bombas-robô de Hitler que alvejavam as cidades inglesas a confirmação pelo avesso da filosofia hegeliana da história. Na intuição premonitória dele, as ogivas V2 eram o equivalente contemporâneo do “espírito do mundo” encarnado (não mais a cavalo mas agora “sobre asas e sem cabeça”), e sua combinação aterrorizante de perfeição técnica e ausência de subjetividade exprimia a substância da própria horda fascista que coroava o processo de modernização. Essa é a primeira das ideias que Paulo Arantes começa a desempacotar da ilustração de capa da edição de maio de 2020 do Le Monde Diplomatique Brasil que lhe serve de trampolim para traçar uma genealogia da militarização contemporânea. A segunda, correlata, é de que a concepção de mundo como alvo configura o elo entre o atual pânico pandêmico e o “tempo do fim” que segundo Günther Anders a Bomba Atômica inaugura. Afinal, foi no momento em que o mundo começou a ser visto como um alvo que ele passou a ter um prazo de validade. Extraindo as consequências dessa automatização do artefato bélico tornado sujeito histórico cego (à maneira do Capital), Arantes coloca Rey Chow em diálogo com C. Wright Mills para demonstrar como a idade do mundo como alvo corre junto com um longo processo de definição militar da realidade. No berço dessa metafísica militar encontramos a acepção originalmente ambivalente do termo alvo: ora ofensiva, ora defensiva. Essa descoberta etimológica atribuída a Samuel Weber será chave para compreender a dialética do mundo como alvo, principalmente a partir do “acontecimento sideral” que para Arantes demarca uma bipartição no tempo do fim. Isso porque com a emergência do corpo político Terra, as sociedades de controle passam a conceber o planeta como um frágil organismo cuja destruição pode ser acelerada ou adiada, mas sobretudo gerenciada – movimento não por acaso coetâneo do surgimento da governamentalidade neoliberal. Se a esta altura o horizonte de desenvolvimento foi literalmente para o espaço, aqui as políticas sociais focalizadas, elas próprias de origem militar, entram em cena para fazer a alocação calculada de recursos cada vez mais escassos, sempre condicionada por reforços negativos disciplinadores, visando não mais que um controle de danos em países e populações-alvo. Eis o denominador comum da atual proliferação de alvos direcionados em que se converteu a sociedade contemporânea, marcada numa ponta pela dominação algorítmica do dito capitalismo de vigilância e noutra pela mira predatória do drone.
Conferência realizada no dia 11 de junho de 2020 e transmitida ao vivo no canal de YouTube do laboratório “Filosofias do tempo do agora” (CNPq/UFRJ) coordenado pela professora Carla Rodrigues.
(Resenha de Artur Renzo)
Palavras-chave: mundo com alvo; Era Atômica; pandemia; covid-19; Bolsonaro; fascismo; Theodor Adorno; Georg Hegel; Samuel Weber; Rey Chow; C. Wright Mills; Hans Magnuns Enzensberger; Robert McNamara; metafísica militar; militarização; espírito do mundo; tempo do fim; Bomba Atômica; sujeito automático; bomba V2; guerra; Guerra Fria; corrida espacial; acontecimento sideral; antropoceno; governamentalidade; neoliberalismo; drone; políticas públicas focalizadas; capitalismo de vigilância; sociedade do controle; algoritmos.
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